Sunday, January 16

O Chato de Todos os Portugueses

"Os debates entre os candidatos à Presidência da República têm sido extraordinariamente aborrecidos. E esta opinião é unânime, o que se saúda: ainda nenhum deles é presidente, mas estes candidatos demonstram que já conseguem criar consensos. Até ver, os portugueses estão unidos na convicção de que todos eles são chatos. Já não é mau.
Tendo tudo isto em consideração, custa-me sinceramente perceber a actual discussão sobre qual deve ser a formação do presidente da República. Uns argumentam que deve ter uma formação humanística; outros defendem que deve ser um economista. Discordo de ambos os pontos de vista. Como é evidente, o presidente da República deve ser, idealmente, um arquitecto de interiores. Essa é a formação ideal para quem vai desempenhar o cargo de figura decorativa.
Confesso que também não compreendo a indignação daqueles para quem, nos debates, não tem havido discussão de ideias. É preciso não esquecer que estamos a falar de eleições presidenciais. O presidente da República não precisa de ter ideias. Até é conveniente que não as tenha. Recordo que este é um cargo que já foi desempenhado com sucesso por Ramalho Eanes. Ramalho Eanes teve uma ideia uma vez, em 1979. Estava com sede e teve a ideia de ir beber um copo de água. Lembro ainda que o presidente tem, no essencial, três tarefas: visitar chefes de Estado estrangeiros, receber chefes de Estado estrangeiros e apelar à serenidade (sendo que, se quiser, pode combinar tarefas, apelando à serenidade dos chefes de Estado estrangeiros). A discussão de ideias é, por isso, inútil. A melhor maneira de escolher um presidente não é através de debates. O ideal seria organizar um concurso parecido com a saudosa Cornélia, em que os candidatos teriam de competir para ver qual deles faz melhor o check-in num aeroporto, ou qual deles cortam uma fita no mais curto espaço de tempo, com nota artística para o modo de manusear a tesoura. O candidato teria de executar tarefas enquanto, simultaneamente, apelaria à serenidade.
Exemplo:
Candidato: Aqui tem o meu passaporte e o bilhete de avião, sr. funcionário do check-in. Apelo a que processe os meus dados com serenidade.
Ou:
Candidato: Vou então inaugurar este troço de dois metros de auto-estrada. Notem como corto a fita com serenidade. Por falar em serenidade: apelo a ela.
No final do concurso, a prova de fogo: os candidatos teriam de ficar de pé sobre um enorme naperon de renda, para que um júri pudesse avaliar a sua capacidade de embelezar. É assim - e não com debates - que se escolhe um bibelô."
Crónica de Ricardo Araújo Pereira in Revista Visão

Por ocasião das últimas eleições presidenciais, o Ricardo Araújo Pereira escreveu esta crónica na Revista Visão. Daqui a oito dias, a malta lá vai escolher o próximo Presidente da República. Ou melhor, o próximo bibelô. E parece-me que, apesar do tom humorístico característico do RAP, ele tem razão naquilo que aqui diz, por isso é que com todo o aparato da campanha que se viveu esta semana, lembrei-me desta crónica. Adequada a esta semana que se aproxima.

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