Sunday, January 11

O Mostrengo

Nunca fui muito de ler poesia. No 12º, dei Fernando Pessoa e alguns dos seus heterónimos. O Gui, o meu fiel companheiro das aulas de Português do 12ºIA ('Alexandra, Alexandra, olha... já só nos falta ter mais cinco aulas!' :P) arranjou uma bela teoria (e com a qual eu concordo plenamente) em que o Alberto Caeiro era um pasmado e o Ricardo Reis era um lamúrias. Dos heterónimos que falámos naquelas aulas (memoráveis aulas) só o Álvaro de Campos se safava, com a Ode Triunfal e o Opiário ('Olha, sabes que os Moonspell fizeram uma música a partir daqui? Tenho de te mostrar!').
Depois tivemos de estudar a Mensagem... e a minha opinião sobre aqueles dois heterónimos manteve-se mas a opinião sobre o Pessoa, em geral, mudou. Para melhor. Muito melhor. A Mensagem de Fernando Pessoa é o melhor livro que já alguma vez li. E gosto, em especial deste:

'O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar.
E disse: "Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?"
E o homem do leme disse, tremendo:
"El-Rei D. João Segundo!".

"De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?"
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
"Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?"
E o homem fo leme tremeu, e disse:
"El-Rei D. João Segundo!".

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezs:
"Aqui ao leme sou mais que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!".'

O Pessoa era um gajo muito à frente do seu tempo. Podia ser um bocado bipolar e isso, mas era muito à frente. :)
(Esta semana estive doente e desinspirada. Daí a falta de posts...)

4 comments:

  1. Olha, olha, a Alexandra a tocar-me num ponto fraquíssimo... amiga, lê de pestana aberta "Nevoeiro" e depois olha para a tua vida, e a seguir "O Infante", e volta a olhar novamente para a tua vida. São hinos.
    Tens moooontes de poesia para leres no KNUT do meu blogue. Nem todos os poetas são dados na escola. Só os mais chatos. Vais, de certeza amar o poema que eu lá tenho de Alexandre O'Neill. Está na margem direita. E o de Neruda, claro, genial.
    Beijos

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  2. JSJ
    As vezes que eu já li o "Nevoeiro" e "O Infante". Aliás, as vezes que eu já li a Mensagem inteira... Incontáveis.
    É tão linda. :)
    Assim que puder, dou uma olhadela aos poemas ai do teu estaminé. Até vou passar os olhinhos aos livros que tenho ali do Neruda e do O'Neill, tá descansada.
    Beijo grande*

    P.S. O Mostrengo é que me ficou cá sempre num cantinho muito especial, desde a primeira vez que o li, numa daquelas aulas. Enfim...

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  3. O Mostrengo é um poema sobre coragem, representação e orgulho nacional, muito diferente dos nacionalismos fanáticos e racistas que estão na voga. É orgulho de sendo pequenos transcendermos a dimensão dos grandes. E é uma canção de embalar, com um ritmo semelhante ao das ondas do mar, em crescendo. Beijos

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  4. Olá Alexandra! Descobri o teu blog por acaso e acho que vou cá passar muitas vezes. Pelo pouco que dás a conhecer percebi que és uma pessoa diferente, mas no bom sentido da palavra, e muito interessante. Tens conteúdo... Continua ;)
    Beijinhos.

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