Saturday, December 25

Do Álvaro de Campos

O Fernando Pessoa era genial. Eu não gosto de poesia, não gosto de ler poesia nem tentar interpretá-la. É um tipo de leitura que me cansa e aborrece facilmente. Não tenho resistência para ler prolongadamente muito verso e muita rima. Mas a obra do Fernando Pessoa (ortónimo e do heterónimo Álvaro de Campos) fascina-me desde o primeiro contacto, andava eu no Secundário. Na altura, era-nos mostrado um pouco da poesia do ortónimo e cada um dos três principais heterónimos. Sendo que, em quarenta e sete anos de vida, o Pessoa construiu cerca de setenta e dois heterónimos, é fácil de se aperceber o quão ínfima é a parte da sua obra que se fica a conhecer.
Do pouco que conheço, mas que chegou para me fascinar e que faz com que há uns dias que ande agarrada a um calhamaço com o essencial de cada um dos heterónimos porque finalmente achei que era altura de dar um bocado de atenção a esta genialidade, o Álvaro de Campos é o que mais interesse me desperta. Primeiro, porque a inspiração de todos os outros, que era o Alberto Caeiro, pastor lá do interior, homem iletrado e sem grande cultura, para mim não passa de um pasmado e para pasmo já me basta a minha vidinha desinteressante, muito obrigada. Segundo, porque o Ricardo Reis, um dos alunos do mestre Caeiro, era um fraco. Sempre com medo de se deixar ir, sempre a sofrer com saudades da Lídia, sempre dramático e ler dramas não é o meu género. E depois, um dos outros alunos, o brutalíssimo Álvaro de Campos, engenheiro naval, refém do ópio e da bebida, grande viajante, tem uma vida e uma velocidade contagiantes que fazem com que leia trinta páginas de um poema sem métrica nem rima nenhuma e chegue ao fim ainda ser ter perdido o norte.
O Álvaro de Campos, para além de ter escrito o Opiário, que para mim é assim qualquer coisa de fantástico (e do qual tomei conhecimento graças aos Moonspell e ao meu amigo Gui que todas as santas aulas de Português do 12ºano me dizia "Tens de ouvir a Opium." vezes e vezes sem conta) descreve-se a ele próprio, nas suas "Notas para Recordação do Meu Mestre Caeiro" da seguinte forma:

"Não creio em nada senão na existência das minhas sensações; não tenho outra certeza, nem a do tal universo exterior que essas sensações me apresentam. Eu não vejo o universo exterior, eu não oiço o universo exterior, eu não palpo o universo exterior. Vejo as minhas impressões visuais; oiço as minhas impressões auditivas; palpo as minhas impressões tácteis. Não é com os olhos que vejo mas com a alma; não é com os ouvidos que oiço, mas com a alma; não é com a pele que palpo, é com a alma. E, se me perguntarem o que é a alma, respondo que sou eu."

Só esta descrição, para mim, é genialidade pura. E nem sequer vou entrar em pormenores em relação ao Opiário, porque senão ficava aqui o resto da noite... Só isto, genialidade e pura inspiração.
E é também por isso que acho triste com tanto bom escritor, andarem por aí a ler Margaridas Rebelos Pintos. Enfim!

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